domingo, 11 de abril de 2010

Uma conversa na cozinha de Deus

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E começando por Moisés e todos os profetas, interpretou para eles em toda a Escritura as coisas concernentes a si mesmo… Eles disseram um ao outro, “Não ardiam os nossos corações enquanto ele conversava conosco na estrada, enquanto nos abria a Escritura?”… Então ele lhes disse, “Essas são minhas palavras, as que eu lhes disse enquanto estava com vocês, que tudo que está escrito a meu respeito na Lei de Moisés e nos Profetas e nos Salmos, deve se cumprir.” Então abriu suas mentes para entender a Escritura… Lucas 24:27, 32, 44-45


Assim como milhões de outros Batistas do Sul, não posso lembrar quando foi que coloquei os olhos numa Bíblia pela primeira vez. Meu nome estava escrito na capa da grande bíblia versão King James do meu pai, e na Bíblia da família de minha mãe. Gastei um bom tempo com a pequena cópia do Novo Testamento dos Gideões que recebi no primeiro ou segundo grau. Em várias das minhas lembranças familiares, me lembro de levar comigo para a igreja quando era menino, uma pequena bíblia KVJ com capa de zíper, contendo várias figuras coloridas para ver durante o sermão.

Na nossa igreja, o pastor pregava mensagens da Bíblia, com vários versículos, e os professores da escola dominincal usavam-na toda semana em nossas lições. Era esperado que levássemos nossas bíblias à igreja, para aprender os exercícios, para sermos hábeis na leitura da KVJ, e a memorizar versículos. Antes de entender qualquer coisa sobre as verdades do Cristianismo, nós éramos doutrinados com o fundamento de que “A B-Í-B-L-I-A, é o livro para mim. Tomo posição na Palavra de Deus, sim, a B-Í-B-L-I-A.”

Lembro dos meus primeiros questionamentos sobre a bíblia quando jovem, sentado na varanda da igreja folheando suas páginas e lendo o que encontrava. O que era esse estranho livro, impresso dessa forma estranha? Sabia desde que era pequeno que meu meio irmão com formação universitária não acreditava nesse livro. Nós éramos frequentemente lembrados de que muitas pessoas que diziam acreditar na bíblia, não acreditavam de verdade, ou então eles ficariam na nossa igreja e não na deles. Isso significa que pessoas podem ler a bíblia e discordar a respeito do que ela diz?

Desde criança me interesso por arqueologia, e muita vezes me perguntei: por que a bíblia era diferente de outros escritos antigos? Não demorou muito para que eu percebesse que muitas pessoas inteligentes não pensavam que a bíblia era palavra de Deus, mas era, ao contrário, uma coleção de histórias escritas por pessoas bem intencionadas, porém ingênuas. Por um tempo, suspeitei de que elas estavam certas, mas na época em que me converti, aos 15 anos de idade, estava pronto para acreditar na bíblia incondicionalmente, assim como os demais cristãos que conhecia. Lancei fora minhas dúvidas e me tornei um pequeno pregador.
Era sortudo por ter um professor cristão na escola pública, que ensinou dois módulos de “Literatura Bíblica” em nossa escola. Usávamos grandes e negras bíblias NAS (ainda tenho uma dessas!) e, pela primeira vez, ouvi um ponto de vista inteligente sobre a bíblia, de uma forma mais sutil e indireta que o fundamentalismo da minha igreja. Eu gostei disso. E queria mais.

Ainda sou aquele jovem vendo as primeiras brechas de luz penetrando minha doutrinação fundamentalista sobre a bíblia. Hoje, manuseio a bíblia todos os dias como cristão, professor e pregador. O que isso significa? Mais do que nunca, quero saber: o que a bíblia é? Como posso confiar nela como Palavra de Deus? Como Deus fala comigo na Bíblia? Na confusão e contradições do cristiIanismo contemporâneo, como posso ter certeza de que sei a verdade de Deus conhecendo as Escrituras? Como posso conhecer os aspectos humanos e históricos da Bíblia, e continuar crendo que ela é palavra de Deus para eu pregar, viver e morrer com ela?

Talvez você também esteja se fazendo essas perguntas. Espero, também, que você chegue às mesmas conclusões. Pela primeira vez em muitos anos, tenho alguma confiança em meu ponto de vista pessoal sobre a Bíblia. Não exijo qualquer tipo de exclusividade para o que eu acredito, ou que o que vou escrever seja brilhante ou resolva o problema. Acredit que é muito útil, e ao longo dos anos que tenho compartilhado esse material, houve muitas pessoas que consideraram essa perspectiva bastante útil em suas próprias jornadas.
Aqui estão as questões que quero levantar. Primeiro, o que é a Bíblia? Como posso pensar a respeito da Bíblia de uma forma que faça sentido para mim, e que possa fazer sentido de forma significativa para outras pessoas?

Segundo, o que significa dizer que a Bíblia é inspirada? Há muitas palavras usadas pelos cristãos para descrever inspiração, mas esta competição pela explicação mais forte não parece estar ajudando muitos de nós. De fato, se você conhece bem a bíblia, muitas dessas palavras criam problemas e implicam em compromissos desconfortáveis. Quero propor a forma de ver a inspiração, que funciona comigo, particularmente por colocar todas as partes da Bíblia juntas e ver como funciona essa inspiração.

Terceiro, sugiro que interpretemos a Bíblia de uma forma que comunique claramente a sua mensagem. É aqui que posso dizer algumas coisas que muitos evangélicos podem considerar angustiantes, mas não penso que minhas sugestões serão mais radicais do que as próprias palavras de Jesus sobre a interpretação bíblica; palavras que são largamente ignoradas por muitos cristãos ao usar a Bíblia.

Finalmente, sugiro algumas aplicações que demonstram a forma como essa visão sobre a bíblia funciona. É apenas o começo de uma jornada que vai levar ainda muitas páginas que planejo escrever. Mas espero poder mostrar como o meu método pode ajudar.[...]

[...]Primeiro, o que é a Bíblia?

Quando estava no último ano do colegial, fiz um curso avançado de inglês, ministrado pela Sra Vista Morris. A Sra Morris nos ensinava a pesquisar, escrever e falar. Estranhamente, nós nunca deixávamos a sua sala, porque toda a nossa pesquisa e trabalho se realizava numa pequena sala adjacente à sua sala de aula, cheia de prateleiras contendo uma coleção de livros chamada “Grandes Livros do Mundo Ocidental.” A Britannica publica essa coleção, e hoje eu tenho os livros.

Naquela época, eu não fazia idéia sobre quem eram aqueles 73 autores ou o quanto eles eram importantes. Reconhecia alguns poucos nomes, como Shakespeare, Aristóteles, mas a maioria era desconhecida para mim. Eles eram, claro, o que Harold Bloom chama de “O cânon ocidental” da vida intelectual. Esses grandes livros – entre os quais se inclui a Bíblia – eram uma espécie de “Escritura” para uma verdadeira educação ocidental.

Havia três livros na coleção que eram diferentes. Dois eram monstruosos índices, onde os grandes livros eram divididos por mais de uma centena de tópicos vitais para a tradição intelectual ocidental. Esses livros permitem a você separar os grandes livros por temas, e ouvir o que todos os autores tem a dizer sobre Deus, governo, anjos, guerra e mais de uma centena de outros assuntos. Guardo esses dois livros como um tesouro, e conto o dano causado por ter derramado água neles enquanto cuidava de uma planta, como um dos maiores crimes que já cometi.

O outro volume, é o primeiro da coleção, e contém uma série de pequenos ensaios sobre o propósito e usos dos Grandes Livros. Se chama “A grande conversação”. Os autores sugerem que esses livros não sejam apreciados como uma narrativa única, ou como uma educação em parcelas, mas como uma grande, indisciplinada e barulhenta conversa ao longo de diferentes eras. Dramaturgos gregos debatem com cientistas ingleses. Novelistas russos conversam com psicólogos alemães. Gibbon debate Homero. Agostinho versus Tolstoy. Conversas que nunca aconteceram, mas que se tornaram possíveis ao se colocar todos esses autores juntos, e então estudá-los para ouvir o que cada um tem a dizer.[...]

[...]O modelo da grande conversação me permitiu descartar qualquer defesa da Bíblia como um único livro, cuja origem humana e metodologia apresentam grandes dificuldades para ser explicadas. Vejo a Bíblia como uma seleção de literatura de criação puramente humana. Posso deixar de lado minha fé, como muitos críticos fazem, e estudar o material bíblico somente em seu valor histórico e cultural. Isso elimina a necessidade de forçar a bíblia a ser divina em sua origem, e me dá a liberdade de ouvir cada autor bíblico dizer o que tem a dizer, da forma como escolheu dizer.

Ou posso ler a Bíblia com meus olhos, mente e coração na fé viva que é o centro da conversação bíblica. A humanidade da conversação não é um obstáculo, é um convite para entender a Bíblia como entendemos a nós mesmos e nossas histórias, experiências e culturas.

A rica diversidade da Bíblia é frequentemente perdida pelo nosso medo de vê-la exatamente da forma que parece fazer ruir a inspiração e autoridade divina da mesma. Deus é tão pequeno que não pode usar a humanidade de um texto? Além disso, a “voz” particular ou estilo que o texto usa para falar de Deus, pode parecer para nós, estranho e desconfortável, para nossas idéias modernas do que seja realidade e verdade. Mas se estamos falando de uma conversa e não a predeterminamos, essas questões são insignificantes.[...]

[...]Gênesis não é ciência do século XXI. Levítico é primitivo, brutal. As estórias do Antigo Testamento não são documentos acadêmicos, mas sim entendimentos tribais e religiosos sobre Deus e os eventos da história. Provérbios vem de uma tradição de sabedoria do Oriente Médio. Cânticos é poesia erótica, e nada mais. Os profetas falaram para a sua própria época, e não para a nossa. Os acadêmicos que me ajudaram a entender esses livros como eles são, não são inimigos da verdade, mas amigos. Chame de criticismo, pinte-os como hostis, mas eu quero saber o que os textos diante de mim estão dizendo!

O Antigo e Novo Testamentos são uma seleção de partes da nossa herança literária espiritual, que formam a Grande Conversação sobre o Deus judaico-cristão. A Bíblia é uma obra humana, criada e compilada por escolhas humanas. Pode haver outros escritos que contribuem para a conversa, mas aqueles que conhecem e vivem o Deus de Jesus Cristo ouvem a conversa mais claramente através desses escritos.[...]

Mais importante, esse modelo mostra uma conversa que continua até que o próprio Deus diga a última palavra. Ou seja, não esperamos que essa conversa chegue ao fim. Esse é o ponto. Uma conclusão. E nisso a grande conversa bíblica difere da conversação dos Grandes Livros. Não há uma espiral sem fim de especulações filosóficas e experimentais. Há, como Hebreus 1 diz, a palavra final: Jesus.

Segundo: Como dizer que a Bíblia é Inspirada?

Vamos fazer uma pausa. Eu disse que a Bíblia é uma obra humana que contém experiências humanas, envolvidas em fatos que elas identificam como Deus, selecionaram um canon de literatura que contém uma conversa sobre sua experiência com Deus. É importante, porém, deixar claro alguma ideia sobre inspiração, desde que o cristianismo ortodoxo requer formas de entender como Deus fala na Bíblia.

Os ensaios dos Grandes Livros onde a conversa ocorre, começam sem nenhum dogma ou ponto de vista. Os leitores são livres para ouvir a conversa e chegar a conclusões sobre Deus, governo, realidade ou natureza humana.

A conversa na bíblia é diferente. Apesar de o leitor ser livre para tirar conclusões, a conversa direciona as conclusões. Porque esta conversação continua até o ponto onde se ouve uma única palavra de Deus, não há limites pelos quais podemos legitimar o que está sendo dito. O entendimento da linguagem, cultura e história e do texto é parte dessa limitação. A conversa bíblica permite grande liberdade, mas há também um consenso, que, quando a conversa é ouvida honestamente, tem um fluxo comum e concentra-se em seu centro. Um fluxo e um foco que revelam um Deus particular, seu caráter, sua mensagem e finalmente, seu Filho.

Evidentemente, devemos ter expectativas modestas de acordo nesse tipo de unidade na Bíblia, e cada comunidade de crentes que declara professar um esquema detalhado de crenças na Bíblia, está provavelmente ouvindo algumas partes da conversa de forma diferente da de outras comunidades. Porém, apesar da diversidade de conclusões que podemos ouvir, as comunidades cristãs que se lançam nessa conversa por sua própria conta, concordam em pontos consideráveis a respeito do que essa conversa está transmitindo. Quanto a foco da conversa, não há discussão.[...]

A Escritura é inspirada se Deus tem, de alguma forma e dentro de um certo nível, dirigido sua produção para dizer o que Ele quer que diga. O entendimento humano pode concluir que a bíblia é inspirada se demonstrar, em seu conteúdo e resultados, unidade na mensagem, que não pode ser explicada por fatores meramente humanos. Apesar de sua humanidade, apesar de sua diversidade, a bíblia nos fala uma mensagem que clama ser atribuída a Deus, e é coerente e clara no seu pedido. Tal ponto de vista a respeito da bíblia começa durante a conversação, e com o aumento da presença de Deus na experiência dos autores e suas comunidades. Mas nós nunca podemos dizer que essa inspiração é uma suposição provável. É uma afirmação de fé, e que vem por causa da presença de Jesus como palavra final na conversa.

O que vou dizer a seguir é tão importante, que não posso afirmar, em voz alta suficiente, a importância de entender o que estou dizendo. A razão principal pela qual eu creio que a bíblia é inspirada, é sua apresentação de Jesus. Apenas a atividade de Deus em dar essa palavra final na história e dentro dessa conversa, faz com que essa conversa tenha implicações divinas totalmente alheias a qualquer origem ou explicação humana.

Jesus é a única prova que eu necessito. Ou ele veio de Deus, ou foi fabricado por nossa própria conta. É uma escolha difícil?

Jesus não é produto de especulação humana. A cruz e o evangelho da cruz, são ultrajantes. Ofensivos. Absurdos. Impensáveis. No entanto, a Bíblia nos diz que o ponto compreensível de toda a atividade de Deus na história, é revelar um Jesus crucificado e ressuscitado como Senhor do Universo e fonte de salvação para todos os que crêem nele. Imagine se alguém lesse os Grandes Livros e dissesse que a chave de toda a verdade e de toda a realidade é um criminoso crucificado que viveu dois milênios atrás. Essa conclusão seria demente. Tolice do mais alto grau.

Porém, é exatamente isso que a Bíblia diz. Nos oferece Jesus como o significado de toda a história, o significado das nossas vidas, e importantíssimo para esse ensaio, a Palavra final na conversação bíblica.
Ouça Jesus, como em Lucas 24, no início desse texto. Ele diz aos discípulos que toda escritura é inspirada… porque falam dele. Sem Jesus, as escrituras não fazem sentido. Elas trazem outra mensagem que não seja a pergunta sobre como este Deus tornou possível ter um relacionamento com pessoas inaptas para conhecê-lo e sem vontade de abraçá-lo? Sem Jesus, Deus é um mistério. Contraditório. Sem Jesus, a Bíblia não é inspirada. É uma sinfonia inacabada. Uma tragédia sem solução. Um romance onde os amantes nunca se unem.

O livro do Apocalipse proclama que Jesus é o único que está apto a abrir o livro da história humana e dar-lhe sentido: Ele mesmo. Não é por acaso que o Apocalipse é uma biblioteca de referências bíblicas e simbolismo histórico e mítico. É uma amostra da conversação bíblica. Jesus é a Palavra que encabeça toda a conversa. Bíblica, espiritual, econômica, política, governamental. A escritura é inspirada pela presença de Cristo na conversa.

É evidente que este ponto de vista sobre a inspiração não tem interesse particular em termos como “inerrância”. Acredito que buscar uma forma de fazer com que cada palavra da Bíblia seja verdade é uma das mais colossais perdas de tempo na qual as mentes cristãs já se engajaram. Além disso, a tortura lógica que produz coisas como o criacionismo de Terra Jovem me deixam profundamente triste, porque perde-se o foco, e leva a quem ouve a crer que acreditar em um livro cuja Palavra final é “Eu sou a Verdade”, tem alguma coisa a ver com acreditar se algum dia houve uma capa de água no céu em volta da Terra, ou que havia dinossauros na arca de Noé.

A Bíblia é sobre Jesus. A inspiração da Bíblia é a presença de Jesus na conversa. A autoridade da escritura é a autoridade de Jesus. A “inerrância” da escritura é esta, corretamente entendida, que leva a Jesus. A Lei veio por Moisés, mas a GRAÇA e a VERDADE, vieram por meio de Jesus. A VERDADE da Bíblia não existe sem Jesus. Qualquer discussão sobre inspiração que não seja relacionada à Jesus tomando parte na conversa, é inútil. A distância entre as partes da conversa e Jesus, é a distância de cada parte da Bíblia do que os cristãos chamam “inspiração”.[...]

[...] Jesus não é um personagem na Bíblia. Ele não é os capítulos 23 a 25 numa novela de 30 capítulos. Ele é a história. Ele é a novela. Ele é o único personagem que importa conhecer. O livro inteiro é sobre colocá-lo para nós em imagens e linguagens que possamos entender.

Quero deixar claro que não estou invalidando o conteúdo do Antigo Testamento. O Antigo Testamento é onde Jesus fala dele mesmo. Lendo-o, ele nos fala dos judeus. É sobre ele. É no Antigo Testamento onde ele aparece em cada página. Mas se começamos a ver o conteúdo do Antigo Testamento separado de Jesus, estamos olhando textos que estão muito longe de qualquer coisa que possa nos salvar. Eles podem informar ou motivar, mas não podem salvar. E essa conversação é sobre o Cordeiro de Deus que tirou o pecado do mundo.[...]

[...]Terceiro, como interpreto a Bíblia?

Penso na Bíblia como… uma mercearia. Trabalhei em mercearias por muito tempo. As pessoas vão até a mercearia com suas listas de compras, e começam a procurar o que estão precisando. Precisam de bananas, sorvete, um fardo de cerveja, uma cabeça de alface. Percorrem os corredores pegando o que precisam, pagam e voltam para casa.

É assim que muitos evangélicos encaram a Bíblia. Eles têm uma lista do que precisam. Princípios familiares. Versículos para cura. Instruções sobre casamento. Regras para as crianças. Histórias inspiradoras. Mudanças a fazer. Informação sobre o céu. Previsões para o futuro. Corremos para a Bíblia procurando por essas coisas, e depois que encontramos, fechamos de novo.

Essa visão de “mercearia” sobre a Bíblia é baseada na idéia de que a Bíblia é uma biblioteca inspirada de informação verdadeira. Um “livro mágico”, se é que podemos dizer assim, onde suas passagens contêm informações inquestionáveis e regras cheias de autoridade. Esta abordagem da Bíblia é devida à capacidade humana de catalogar informação, e é usada em muitas igrejas para dar confiança, de que o uso da escritura coloca a pessoa sobre uma fundação de certeza absoluta.

Nessa abordagem, a interpretação é importante, e boa interpretação é comum. Mas o problema é fundamental. A Bíblia não é uma mercearia. Não é um lugar para onde se corre para procurar regras familiares ou profecias sobre o futuro, mesmo que contenha discussões sobre esses assuntos.

Não, a Bíblia é como um programa culinário. E se estamos interpretando qualquer parte da escritura corretamente, precisamos sair da mercearia – nossa enciclopédia de verdades – e ir para a cozinha.

E, aqui estamos nós! Se você olhar, verá todos os ingredientes para fazer um bolo. Este bolo é para ser realmente magnifíco, e nós temos todos os ingredientes para serem misturados e gerar essa maravilhosa criação. Ovos. Farinha. Sal. Açúcar. Manteiga. Baunilha. E muitos outros ingredientes.

Os ingredientes, é claro, são os textos da Bíblia. Os ovos são Gênesis 1-3. A farinha, é Levítico. O sal, são os Provérbios. O açúcar, os Salmos. E assim por diante. São todos bons ingredientes. Ingredientes essenciais. Agora.. precisamos responder uma questão importante: que tipo de bolo estamos preparando?
O bolo que a Bíblia está preparando, é Jesus Cristo, o mediador da nossa salvação, e o Evangelho que vem dele.

Há pessoas que gostam de ovos. Há outras, suponho, que gostam de farinha. Há outras coisas que você pode fazer com esses ingredientes, fora o bolo. Mas se você vai acompanhar a conversação/seguir a receita, este bolo será Jesus, o Cordeiro de Deus, o pão da Vida, a salvação do mundo. Se você reconhece que esse é o bolo, e come, você será salvo.

Usando essa analogia, podemos interpretar toda a Bíblia. Isso é necessário. Podemos pegar os Evangelhos. Que tal João 1, Apocalipse 4 e 5, e Romanos 1: 1-4? Vamos olhar para Jesus, e então podemos ler Gênesis 1 corretamente. Se lermos sem Jesus, podemos tirar boas coisas, mas também podemos fazer uma grande bagunça. Mas vamos perder o foco em qualquer parte da escritura que não for interpretada tendo Jesus em mente.

II Coríntios 3:14-16 Mas os sentidos deles se embotaram. Pois até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido. Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Quando, porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado.

Gálatas 3:10-14 Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las. E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé. Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá. Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro; Para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo, e para que pela fé nós recebamos a promessa do Espírito.

Gálatas 3: 22 Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes. Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar. De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados. Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio. Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus.

Uma das primeiras vezes em que revelei essa minha abordagem sobre a Bíblia, foi num seminário para pastores locais, onde fui convidado para falar sobre Gênesis 1-11. Estava certo de que muitos daqueles homens estavam esperando pela abordagem usual sobre Gênesis, com pilhas de argumentos relativos à controvérsia criação-evolução e explicações sobre como esses eventos “realmente aconteceram”.
Em vez disso, eu falei que Jesus era o único para quem e por quem todas as coisas foram feitas. Disse que Jesus estava no princípio, com Deus. Falei que somos feitos à imagem e semelhança de Deus, da mesma forma como Jesus foi feito à imagem do Deus invisível, e porque Jesus foi feito da mesma forma que nós, é que ele podia nos salvar. Disse que Cristo veio destruir as obras de Satanás. E que Jesus nos ama mesmo expulsos do paraíso, e deixou o paraíso por nós. Disse que Abel era uma fotografia de Jesus, e sua oferta, um retrato da fé. Disse que a arca era o próprio Cristo, e o dilúvio, a ira de Deus. E assim por diante, por quatro horas.

No final, um homem disse que eu estava sendo “provocante”. Espero que sim, porque essa abordagem de mercearia sobre Gênesis me entedia, e torna as pregações do Evangelho em leituras sobre ciência criacionista.

Por que não podemos falar de Jesus Cristo em Gênesis? Por que falar sobre a duração dos dias ou a localização do jardim do Éden e que as mulheres devem ser submissas, quando toda a história que existe nos leva a Jesus em sua perfeição? Realmente pensamos que Deus nos deu um livro inspirado para falar sobre ciência e assuntos triviais? Eu preciso de um salvador, e não de um conjunto de fatos. Como disse Robert Capon, se o mundo pode ser salvo por bons conselhos, foi salvo dez minutos depois que Moisés desceu do Monte Sinai.

Quando leio Levítico, interpreto por meio de Jesus. É ele o sacrifício. O ladrão que é punido. A adúltera que é apedrejada até a morte. Jesus é o sacerdote, o altar, o sacrifício e o templo. A boa nova é que nós não vivemos mais em Levítico. Nós vivemos numa nova aliança, onde os mandamentos do Sinai foram preenchidos na cruz, e numa nova aliança que é acessível a qualquer um, de qualquer nação, que crê em Jesus como salvador.

Os primeiros cristãos não usavam o método da mercearia. Colocavam tudo junto e diziam: Cristo! Encontraram que cada parte da escritura era, na verdade, um ingrediente para nos ajudar a ver e entender o pão da vida.

É importante lembrar que a existência de Jesus não é determinada pela Bíblia. Ele não precisa dela pra ser Deus. Nós precisamos conhecer Deus. Precisamos da linguagem, das imagens, da lei, dos exemplos… do conteúdo que nos leve a Jesus e ao Evangelho. Precisamos da bíblia para poder começar a entender Jesus, sua pessoa e trabalho, seu evangelho e o sentido da fé. Todas as complexidades dessa grande conversação são para entendermos Jesus e o evangelho. Quando interpretamos, precisamos deixar o literalismo de lado e procurar Cristo, que é a mais verdadeira das verdades. Literalismo que diminui as cores de Cristo na escritura é tão ruim quando a crítica liberal, que nega Cristo.

Então, interpretar a Bíblia é, em parte, entender essa conversação, e em outra parte, entender a Palavra final. Quando podemos ouvir a Palavra final entre as palavras e imagens do texto da escritura, então nós “sacamos” tudo.

Finalmente, vamos tentar uma aplicação

Três exemplos servem ao meu propósito. Primeiro, a violência horrenda contida no livro de Juízes. Segundo, o assunto homossexualidade. Por último, considero como a minha abordagem afeta um assunto sério como a apostasia.

Aqueles que defendem a visão tradicional sobre a inerrância bíblica, acabam numa sinuca quando o assunto é a violência do livro de Juízes, Antigo Testamento. Como podemos entender a inspiração de um livro que relata -e defende- violência que está claramente em oposição às palavras de Jesus no Sermão da Montanha?
Creio que a conversação bíblica contém vários relatos horríveis de coisas feitas em nome de Deus que estão muito longe do que sabemos sobre Deus em Jesus, e que somos pressionados a harmonizar essas passagens ou encontrar formas de explicar tanta violência. Há pessoas que pensam que podem fazer coisas violentas e dar o crédito a Deus. Esse é um dos perigos de não se conhecer Deus feito carne em Jesus, mas adorar um Deus que é, na verdade, uma expressão de seus próprios sentimentos tribais e seus próprios interesses.

Muitos apontam os trechos sangrentos do Apocalipse para dizer que não há problema em ver Jesus como um Deus de vingança sangrenta. Isso se deve à necessidade que essas pessoas têm de deixar a idéia de Deus do Antigo Testamento dominar a discussão. Creio que Jesus vai retornar e creio que haverá um julgamento para aqueles em rebelião contra Deus. A bíblia usa algumas imagens majestosas e violentas para retratar esse dia, como as batalhas humanas mais apocalípticas que podemos imaginar nesse mundo. Mas essas imagens existem no evangelho ao mesmo tempo que aparece a imagem de um Deus paciente, bondoso e tolerante. É esse o caminho de Deus para ir além do entendimento humano para estender sua graça a todos nós.

Juízes nos mostra o que acontece quando nós humanos fazemos o que achamos certo aos nossos próprios olhos; mostra nossa queda na idolatria e na religião tribal. Juízes nos mostra que sem o verdadeiro rei, o Salvador Jesus Cristo, nosso mundo decai para a violência e caos, como antes do dilúvio. É nesse mundo violento que Deus se torna um de nós, mas sem se tornar violento. Apesar de não abraçar abertamente o pacifismo, e de aprovar a força necessária para proteger os inocentes, Jesus rejeita a violência dos reinos deste mundo, como uma forma de trazer o seu Reino. Essa vingança escatológica é o contraponto para o seu contínuo oferecimento de clemência e bondade aos inimigos no evangelho.[...]

[...]Na questão da homossexualidade, estamos no território da “mercearia” em elevado grau. A abordagem normal é correr atrás de uns poucos textos e voltar com os versículos que provam que homossexualidade é errada. No que a minha abordagem é diferente?

Em primeiro lugar, minha abordagem diz que quando o pecado é comparado com a lei de Deus, nós o vemos de forma diferente do que vemos quando estamos perto da graça de Deus em Jesus. Vamos usar o ladrão na cruz como exemplo. O ladrão foi condenado por quebrar a lei, e está sendo punido por isso. Comparando com a lei, a alma pecou e está morrendo. Por outro lado, indo a Cristo que morreu pelos pecadores, este homem é um crente e bem recebido nos portões do paraíso. O seu pecado é perdoado por Jesus, e não é mais mencionado. É a mesma lição da mulher flagrada em adultério de João 8. Em relação à lei, o pecado é uma grande questão. Em relação à Cristo, superabundou a graça.

O ultraje evangélico em relação à homossexualidade ocorre por causa de partes da bíblia onde esse pecado é comparado à lei, ou ao propósito de Deus na criação, ou à boa saúde da sociedade. Em relação a Jesus Cristo, a homossexualidade é somente mais uma questão pela qual Cristo morre e ressuscitou. Não temos razão para nos escandalizar por causa dela.

I Coríntios 6:9-11 Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus. E é o que alguns têm sido; mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus.

Romanos 5:18- 21 Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos. Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça; Para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor.

Preciso dizer que não discordo de nada que a bíblia diz sobre a homossexualidade, mas que estou dizendo apenas que como qualquer outro pecado, nós precisamos estar perto de Cristo e ver a verdade do evangelho. Aqui está um pecado pelo qual Cristo morreu. Isso quer dizer que um homossexual não arrependido pode ser justificado? Penso que Deus salva pecadores que se arrependem de forma imperfeita, mas não penso que Deus salva pecadores que rejeitam Cristo e o evangelho. Deixo para Deus resolver a respeito das pessoas nessa situação, mas não posso oferecer nenhuma certeza de salvação a um pecador cuja fé não ouve Jesus dizer “vá e não peques mais”.

Os evangélicos transformaram alguns pecados em questões políticas e sociais, e esqueceram que o tesouro da igreja é Cristo. “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”, é uma boa instrução para o cristão.

Finalmente, como a minha visão sobre a bíblia afeta um assunto controverso como a possibilidade de perder a salvação? Escolhi esse assunto porque tenho gasto mais tempo falando nesse assunto do que qualquer outro. Preciso demonstrar meu ponto de vista da escritura sobre esse tópico!

Ao contrário da homossexualidade, onde a conversa não gera nenhuma ambiguidade sobre a natureza do assunto, a apostasia é um tema onde a discussão varia muito. Um professor de seminário nos mostrou que 26 dos 27 livros do Novo Testamento mencionam a possibilidade de apostasia. Crescendo numa igreja batista, gastei muito tempo na “mercearia” procurando versículos que refutassem a possibilidade de que a salvação podia ser perdida e assegurar a mim mesmo que “uma vez salvo, salvo pra sempre”.

Hoje, posso ver que cristãos que amam e honram a Jesus acima de tudo, podem divergir nesse assunto, mesmo eu estando convencido de que a conversação na Bíblia oferece total certeza quanto à crença da perseverança e segurança da salvação. Mas também percebo que a realidade da fé é a fé que falha. Temos múltiplos exemplos de falhas de fé na Bíblia. Mas são esses exemplos, ameaças e advertências, ou exemplos do poder de Cristo de salvar perfeitamente quem vai até ele? A mim parece que a maior parte dos exemplos da escritura glorificam Cristo como Salvador e defensor. Ele é o grande pastor que vai em busca das ovelhas.
Sempre interpreto a Bíblia de forma que Cristo seja mais glorificado e exaltado na salvação. Enquanto a ameaça de não ter fé é real, e a realidade da fé superficial e temporária não possa ser negligenciada, a grandeza de Cristo, em nos apresentar impecáveis e sem mancha PRECISA ser a última palavra. A Palavra final é a sua grandeza, não a nossa fraqueza.[...]

[...]Nesses exemplos, espero ter mostrado que nós, como cristãos, lemos a Bíblia com Cristo e o Evangelho como nosso foco de interpretação. Não descarto da conversa qualquer coisa que tenha sido dita ao longo do caminho, mas relendo dessa forma, estou consciente de onde estou indo, e permito a Jesus ser a Última Palavra para mim, de todas as maneiras que puder.

Vocês estudam as escrituras porque pensam que por meio delas possuem a vida eterna. São essas escrituras que testificam a meu respeito. (João 5:39)

Por Michael Spencer em A conversation in God’s Kitchen
Tradução: Andrea Fernandes

Fonte:Solomon

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