segunda-feira, 25 de julho de 2011

A sombra do suicídio: Evangélica relata a dor de ver seu filho tirar a própria vida.

 

Quando tinha 13 meses de vida, meu filho Gabriel teve seu primeiro ataque de asma. Eu e minha mãe estávamos terminando as provas do vestido e das lembranças para o meu casamento, que se aproximava. Gabe, como o chamávamos, ficou muito mal – durante todo aquele dia, revezamo-nos em turnos para assisti-lo e dar-lhe remédios que o acalmassem e mantivessem respirando até que o levássemos ao médico. No cair da noite, nós estávamos na emergência do hospital vendo os milagres que podem ser forjados com substâncias como adrenalina e esteróides orais. Gabriel passou os cinco dias seguintes, incluindo o do meu casamento, recuperando-se da crise numa tenda de oxigênio.


Essa memória me lembra que alegria, dor e doença são experiências arraigadas na história de minha família. A começar pelo próprio nascimento de Gabriel. Ele é filho de um tanzaniano e fruto de um romance universitário falido. Não havia o que esconder a respeito das circunstâncias de sua concepção e vinda a este mundo, principalmente depois que me casei com um homem branco como eu. Também não havia remédio para a dor dessas circunstâncias, a não ser o eterno bálsamo do amor.

Por aproximadamente duas décadas, o amor deu rédeas a Gabriel, a seu irmão, a meu marido e eu, como se nós galopássemos lindamente pela vida. Então nós tivemos uma surpresa. Ao mesmo tempo que Gabe se formou na universidade, ele tinha sérias dificuldades em se relacionar com nossos amigos, e era solitário. Por outro lado, nossas experiências pessoais com a igreja tinham deixado eu e meu marido mancando e meus filhos, extremamente desmotivados em relação à vida cristã. Convenci a mim mesma que remédios em casa e o tempo iriam nos curar, e como autodemonstração de fé, contei para os outros que eu iria provar a supremacia do amor nas vidas dos meus filhos. Pois exatamente na época em que pensei estar retomando o controle da situação, meu filho Gabriel se suicidou. Ele tinha 23 anos.

As lembranças que tenho são de calma, entre inexoráveis ondas de tristeza e culpa. Isso me lembra que eu não sou Deus; não posso saber ou ver tudo. Isso também me lembra das muitas vezes em que eu consegui a ajuda para meu filho antes que fosse tarde demais. Minha sanidade e fé demandam cada lembrança. O suicídio é como uma cruel brincadeira cósmica. Era como se Deus ou o diabo, ou algum Jó, estivesse escarnecendo ou brincando conosco. Nossa paranóia era grande – teríamos eu e meu marido sido pais relapsos ou negligentes? Que tipo de ironia horrível foi aquela que fez nosso filho, um rapaz com tudo pela frente, tirar a própria vida?

E o pior é que eu não era leiga no assunto. Ironicamente, no dia anterior àquela tragédia, eu havia participado de um fórum sobre psiquiatria e espiritualidade. Havia até postado textos na internet sobre prevenção ao suicídio. Eu me martirizava pensando que deveria ter reconhecido os sinais de aviso. Ao contrário do que se imagina, quem exibe os mais pronunciados sinais de predisposição mental ao suicídio tende a escolher recursos menos letais, enquanto aquelas que agem impulsivamente recorrem a métodos violentos, como atirar-se de um ponto alto. Por outro lado, menos de dez por cento dos sobreviventes de uma tentativa de suicídio prosseguem no intento de tirar suas vidas. Para mais de 90%, a crise passa.

Naquela noite fatídica, depois da chegada da polícia, recebi a visita de Aaron Kheriaty, o psiquiatra que havia me encaminhado àquele congresso. Ele pacientemente nos assegurou que a morte de Gabriel não era nossa culpa. Lembro-me de suas palavras gentis, mas enfáticas, insistindo que a morte nunca faria sentido, ainda mais através de suicídio, um ato inerentemente irracional. Kheriaty era a pessoa adequada para participar de nosso momento de dor, ao contrário de alguns pastores que preferem descrever o suicídio como uma escolha imprudente ou simples falha espiritual. Aquele especialista também falou no funeral de Gabriel. Sua presença ajudou a estruturar meu desgosto e descansar minha mente que estava imersa num oceano de dúvidas.

Passado o trauma inicial – refiro-me ao trauma, porque a dor não passa nunca! –, relembrei as últimas conversas que tive com meu filho. Uma delas foi justamente naquela noite, antes de ele sair. “Gabe, querido”, eu disse. “O que está acontecendo com você? Seus olhos parecem mortos.” Ele somente fez como que se não precisasse de nada e eu o deixei ir. Só que Gabe, como aproximadamente metade dos universitários, tornou-se depressivo quando deixou nossa casa. Eu o incentivei a procurar conselhos no serviço escolar. Depois, olhando em perspectiva, desejei que nós tivéssemos lhe dado um ultimato: que procurasse ajuda ou voltasse para casa.

Somente nos fins de semana que passava conosco Gabriel revelava que algo em seu íntimo ia errado. Ele se tornou um jovem fechado e irritante, com humor oscilante. Notícias de empréstimos tomados sem razão e casos de delinquência chegavam pelo correio quase que diariamente. Ele usava roupas sujas para ir trabalhar, dormia pouco e aparentava pouco apetite. Entretanto, pouco antes de sua morte, Gabriel se apresentou em um clube de comédia. No dia da sua morte, ele brincou com colaboradores e publicamente professou seu amor por Jesus. Especialistas descrevem essa contradição como “suicídio calmo”, que acontece quando alguém decide, finalmente, acabar com o tormento mental. O aspecto vago que eu notei em seus olhos já era indício de depressão suicida. No seu espírito, ele já tinha nos deixado.

Sobreviventes precisam de tempo e espaço para vir à realidade de auto-avaliação. Kheriaty fechou sua mensagem com uma meditação do Príncipe da paz. Na cruz e na sua agonia, nosso Senhor sofreu não somente nossas aflições físicas, mas nossas angústias mentais também. Fora de nossas profundidades nós choramos diante do Senhor, e ele alcança o nosso profundo e nos levanta com ele. Deus sabe da profundidade do nosso sofrimento; ele conhece a fragilidade do nosso coração. E o coração do próprio Cristo, tão humano quanto divino, é misericordioso além da medida. E é nessa misericórdia que nós colocamos nossa esperança. Nas mãos estendidas na cruz, num gesto supremo de amor, é que nós confiamos Gabriel.

Quando eu penso em tudo que Gabe sofreu em sua vida, fico sem entender algumas coisas. E descubro que é difícil confiar em Deus ou me engajar com intimidade como fiz uma vez. Todo dia, inalo um momento de graça. Estou imensuravelmente grata pelo privilégio de ter sido a mãe de Gabriel. Pela fé, vejo agora que meus encontros acidentais com Aaron Kheriaty não foram uma piada cósmica, mas uma evidência da imanência de Deus. Como Gabriel estava caminhando para fora da porta desta vida, eu o chamei depois, dizendo “eu te amo”. Amor é tão forte como a morte, conforme Salomão escreveu. Sim, o amor de Deus é mais forte.
Christine A. Scheller é escritora e mora em New Jersey, EUA

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