No momento em que as igrejas ocidentais se debatem em busca de
relevância para seus ministérios, parece cada vez mais difícil fazer o dever de casa – ou
seja, sair da posição confortável de meramente satisfazer a alma e o
gosto de seus membros para realmente impactar a sociedade com o
Evangelho de Cristo. Há menos de dois anos, uma das principais
representantes do que se convencionou chamar de megaigreja entrou em
crise consigo mesma. A Igreja Comunitária de Willow Creek (WCCC, na
sigla em inglês), sediada em Chicago, nos EUA, passou pelo dissabor de
ver seus dirigentes questionando a própria razão de ser de uma enorme
organização de alcance internacional, que envolve mais de 12 mil igrejas
associadas em 35 diferentes países. “Parece que algumas atividades em
que gastamos milhões de dólares simplesmente não provocaram mudanças na
vida das pessoas”, escreveu Greg Hawkins, pastor-executivo da WCCC no
livro Reveal: Where Are You? (“Revele: Onde você está?”), obra
baseada em pesquisas que causou tremenda polêmica entre os 20 mil
membros que se reúnem todos os domingos na majestosa sede da
denominação.
Pois agora Willow Creek tem buscado cada vez mais essa tal de
relevância na mutualidade do Corpo de Cristo. E o faz justamente onde
sua ação pode representar a diferença entre a vida e a morte para
milhares de pessoas – em uma das regiões mais carentes do planeta, bem
longe do brilho da luminosa Chicago. A WCCC vem investindo em parcerias
com igrejas africanas para levar a mensagem da salvação, o socorro e a
dignidade a populações de países como Angola, Zâmbia, Malaui e África do
Sul. Na verdade, o ministério da Igreja de Willow Creek é tão extensivo
quanto extraordinário. É extensivo, irônica e precisamente, porque
ignora ONGs multimilionárias para trabalhar com congregações locais. E
extraordinário porque, ao invés de buscar suporte em recursos
tecnológicos, baseia-se na realidade de igrejas pequenas e pobres, que
nada mais têm a oferecer do que seu conhecimento e disposição. E isso
tem sido tudo.
A mudança de filosofia é bem sintetizada por Warren Beach, diretor do
ministério da Willow Conexões Globais: “Se, como diz o mantra da Willow,
nós acreditamos que a igreja local é a esperança do mundo, temos que
construir relacionamentos com nossos irmãos e irmãs que estão na linha
de frente, lutando contra a pobreza, a Aids e ganhando suas comunidades
para Cristo”. Ele cita o texto de II Crônicas 16.9: “Quanto ao Senhor,
seus olhos passam por toda a terra, para fortalecer aqueles cujos
corações são completamente compromissados com ele”. Enquanto a
contribuição de Willow Creek para esses ministérios africanos é
fundamental, o papel da megaigreja é quase invisível. Willow não é a
primeira a praticar um modelo de ministério de igreja para igreja – mas
monitora essa métrica do sucesso como ninguém. A ênfase da coisa é
colaborar com as igrejas locais e permanecer nos bastidores. Simples
assim. Mas é uma metodologia que tem sido bastante copiada.
Ajuda sem dependência – Willow começou procurando
igrejas que estavam interessadas, independente se iria apoiá-las ou não.
Descobriu uma coisa simples: a demanda não é simplesmente pela ajuda,
mas pela conquista do desenvolvimento auto-sustentado. “Os crentes
africanos não estão esperando o Ocidente mandar recursos”, continua
Beach. “Eles estão olhando para dentro e dizendo: ‘O que Deus tem dado
para nossa comunidade resolver?’”. O executivo diz que era isso que a
WCCC estava procurando. “Vínhamos orando para encontrar lugares onde o
Senhor estivesse trabalhando nas igrejas locais e andar ao lado desses
irmãos, providenciando alguns recursos mas sem criar dependência”. A
denominação começou fazendo isso na República Dominicana. Em 2004, Lynne
Hybels, mulher do fundador de Willow Creek e hoje pastor aposentado,
Bill Hybels, voltou de uma viagem à África sobrecarregada pelas
necessidades que a pandemia de Aids agravou sensivelmente. “Por que nós
não estamos fazendo nada?”, perguntou à liderança. “Se nós vamos ser
Igreja, como poderíamos encarar Deus algum dia sem ter combatido o que
está acontecendo na África Subsaariana?”
E assim começou o trabalho da Willow na África. Corrigindo – não é um
trabalho da Willow, mas sim, o trabalho dos africanos. “E a marca é a
igreja local”, emenda Beach. Pouco tempo depois, a WCCC encontrou
ministérios sérios e comprometidos o bastante, e começou a investir US$ 2
milhões por ano na África. Um dos vetores do trabalho são as
conferências que a igreja promove na África do Sul, e que reúnem por
volta de 5 mil líderes e crentes locais. Daí, foi mais fácil formar uma
rede de igrejas dispostas a entrar no programa. “Nós gostamos de
trabalhar com pessoas primeiro, antes de providenciar qualquer forma de
financiamento”, diz o líder da Associação Willow Creek na África do Sul,
Gerry Couchman. “Buscamos conhecer os indivíduo e testemunhamos sua
integridade. Temos visto o que eles estão tentando fazer por eles mesmos
com recursos muito limitados”, destaca.
Nos últimos quatro anos, a associação encontrou 28 projetos para
acompanhar. Na Cidade do Cabo, por exemplo, Lerato’Hope é uma
organização sem fins lucrativos da Igreja Batista de Pineland. Faz
parceria com organizações populares já existentes que cuidam, tratam e
dão suporte para famílias pobres afetadas pela Aids nos municípios de
Gugulethu, Nyanga, Crossroads e Philippi. Essas áreas são lar para meio
milhão de pessoas, cujas estatísticas incluem um quadro deprimente de
pobreza: o desemprego atinge 60% da população e mais da metade das
pessoas vive em cabanas, sem água encanada, energia elétrica ou qualquer
infraestrutura. Certa de trinta por cento das mortes são causadas pelo
vírus da Aids.
O nome Lerato’s Hope (“A esperança de Lerato”) foi escolhido em
homenagem a uma menina da localidade. Há oito anos, ela era um frágil
bebê de 18 meses que foi trazido a um orfanato chamado Beautiful Gate.
Algumas famílias da Igreja Batista de Pineland estavam abrindo uma
escola dominical lá. Eles se envolveram profundamente com a comunidade e
perceberam que a pequena Lerato não estava bem. Abatida pelo vírus HIV,
já não conseguia falar ou andar. O prognóstico dos médicos davam conta
de uma morte iminente. Mas a família se recusou a aceitar isso. “Se ela
irá morrer”, eles diziam, “vai partir sendo cuidada e amada”. Eles
continuaram uma amorosa vigília na cabeceira da cama, e milagrosamente a
criança começou a se recuperar. Hoje, Lerato é uma garota forte, de dez
anos de idade. Sua história não somente eletrificou a igreja, mas
também a comunidade local.
Pontas do iceberg – Tudo que se possa fazer em termos
de promoção social diante da dura realidade africana será apenas a ponta
de um iceberg de gigantescas demandas. A epidemia de Aids, embora
ostente números desastrosos – dos 33 milhões de doentes registrados no
mundo, 28 milhões vivem ali –, é apenas uma delas. Mas trabalhos
pontuais como Lerato’s Hope tem a mágica capacidade de se capilarizar.
Dirigindo pela Klipfontein Road, atravessa-se uma das áreas mais ricas
da África do Sul. Shopping centers, ruas bem pavimentadas e escolas
particulares compõem a paisagem, mas bastam alguns quilômetros para se
chegar a um prédio pintado de verde, sem decoração e com janelas e
portas cobertas por grades. Ali funciona o projeto Izandla Zethemba.
Organização sem fins lucrativos fundada pela Igreja Comunidade Khanyisa,
que trabalha com 40 órfãos e crianças vulneráveis e mais de 80 famílias
que vivem no entorno da sede. Além da distribuição de suprimentos, a
entidade oferece programas de prevenção da doença e grupos de suporte
aos infectados e suas famílias.
Em um grande quarto, são visíveis os sinais da presença constante de
crianças. Há desenhos nas paredes e objetos de artesanato feitos por
elas mesmas. Xolile e Unathi são dois estudantes que deixaram a
universidade por um ano para trabalhar na Izandla. Apesar da consciência
de que faz o que está a seu alcance, Xolile anda frustrada. “Quando
você descobre que existe tanta necessidade, somente deseja poder tirar o
sofrimento dessas pessoas”, resume. Unathi faz coro com a colega:
“Algumas vezes você encontra uma criança que precisa de mais ajuda do
que você pode dar. Eu me sinto perdido, porque a situação é dura
demais”. Mas eles estão no jogo, de acordo com o diretor executivo Rowan
Haarhoff: “Encontrar pessoas nessas comunidades que darão tanto tempo e
esforço como esses dois é muito difícil”, ele diz. “Eles estão tirando
um ano de suas vidas, sem salário. É formidável”, elogia.
Com este tipo de atores no jogo, a ajuda prestada pela WCCC a estes
empreendimentos sociais resume-se a suprir as necessidades na medida em
que vão aparecendo. Na localidade pomposamente chamada de Barcelona – na
verdade, um subúrbio miserável da Cidade do Cabo onde mais de dois mil
barracos feitos de madeira, telhas de estanho ondulado e qualquer outro
material que possa ser empilhado –, o cheiro de lixo podre não respeita
as precárias janelas de vidros quebrados. Por aquelas vielas, uma van
financiada pela Willow Creek transporta pessoas, comida, móveis e
remédios para atender uma população formada por 230 mil pessoas, das
quais 63 mil são soropositivas. No meio de Barcelona foi construído um
prédio de concreto que abriga o ministério Ubuntu, liderado pela
holandesa Cobi De Bonte e pela sul-africana apelidada de Mama Beauty,
que é uma verdadeira mãe para a comunidade.
O edifício ferve todos os dias com as diversas atividades que envolvem
crianças e jovens, como clube de café da manhã – sem o qual eles iriam
com fome para a escola –, companhia de teatro, coral gospel e time de
futebol, todos organizados pelos membros da comunidade. Se não fossem
essas atividades, as crianças estariam vagando sem rumo pela ruelas de
terra batida, sujeitas a negligência e abuso. “Isso é um município, e um
município é caos. Um dia você tem um emprego, no outro, não. Um dia
você está bem, e no outro, doente”, descreve Cobi. A única maneira de
sobreviver a isso, o que todos ali sabem muito bem, é a solidariedade e
uma rede sólida de parcerias. Os africanos já perceberam isso há muito
tempo – a igrejas ocidentais como a WCCC parecem cada vez mais dispostas
a caminhar lado a lado com os protagonistas dessa revolução.
Por Mark Galli
Fonte: Cristianismo Hoje
Nenhum comentário:
Postar um comentário