A manchete no Jornal San Jose Mercury tromboreava: “Noiva traz noivo
de volta dos mortos.” A data era 12 de julho de 1978. A historia se deu
em Chicago. Não era pra ele viver. E, mesmo que fosse, nunca mais
conseguiria se mexer. E, mesmo que pudesse se mexer somente um pouco –
um dedo da mão ou do pé – , não conseguiria mais andar nem conversar.
Nada pra ele seria normal outra vez, nem conseguiria fazer o que faria
um rapaz normal de 23 anos de idade que acabara de sair dos fuzileiros
navais. Como levar Linda, sua noiva, para dançar. Ou sair com ela para
comer pizza, no domingo a tarde. Ou sentar-se ao lado dela em um
encontro de sábado a noite. Ou casar-se com ela – como estava planejado
antes do acidente.
Mas os médicos e as enfermeiras não conheciam Linda. E Linda fez toda a diferença.
Peter Saraceno tinha saído para jantar com um amigo e agora voltava
para casa. De repente, um caminhão o cortou. Peter freou as pressas o
carro da mãe e chegou a dar um cavalo de pau. Foi então arrastado ate um
poste de luz, curvando-o para baixo, e depois continuou sem conseguir
parar. O carro bateu em uma enorme placa elétrica, que envergou,
despencou sobre o carro e o cortou ao meio. O motor voou pra fora do
capo. Peter voou para fora da porta. Foi projetado à vinte metros e
estirado sobre o asfalto – com a cabeça rachada ao meio e exposta –
quando os paramédicos chegaram. O caminhão desapareceu completamente.
Ao chegar ao Hospital Westlake, na região residencial do Parque
Melrsoe, Peter foi dado como morto. Foi quando o médico decidiu
verificar sua pulsação uma ultima vez, e lá estava ela – muito fraca,
mas presente.
“Três, quatro vezes nos disseram que lhe restavam apenas algumas
horas.” Disse a mãe, Louise Saraceno. “Mas não acreditei. Tampouco
Linda. Estavam noivos e iam se casar. E Linda disse-me que, antes que
ele morresse, queria se casar com ele. Queria ser sua esposa.”
Peter – forte, grande e ainda em boa forma por causa de sua passagem
pelos fuzileiros navais – não morreu. Mas entrou em coma. E a cada noite
Linda ficava ao seu lado. Conversando com ele exatamente como se fosse
outra noite qualquer. Como se tivessem marcado um encontro. Como se nada
tivesse acontecido.
Depois de um mês, Peter ainda não se movia, nem respondia, nem mesmo
movimentava os cílios. Noite após noite, Linda saía do trabalho para o
hospital e se sentava a seu lado. Perto do fim do outono, após três
meses e meio, Peter saiu do coma. Lentamente, movendo apenas os olhos,
parecia voltar à vida.
“Seus olhos procuraram por Linda no quarto”, disse um parente. Ainda
não podia falar. Mal podia mover um dedo. Ali deitado, ele olhava para
Linda. E Linda nunca o abandonou. No Haloween, ela pôs os enfeites nas
janelas. No Natal, seu quarto se encheu de árvores iluminadas. E na
véspera de Ano Novo, ela comemorou com ele, só os dois. Encheu o quarto
de papel-crepom e 66 balões. “Levei um bolo e guloseimas e à meia noite
pus nele um chapéu, soprei uma corneta e lhe disse que o Ano Novo havia
chegado. As enfermeiras pensaram que eu estava louca, mas percebi que
ele conseguiu me ouvir”.
Lentamente Peter começou a se recuperar. Seus movimentos voltaram.
Primeiramente um dedo, depois um braço, depois uma perna. Começou a
tentar falar. “Eu só conseguia resmungar”, disse Peter. “Ninguém me
compreendia, a não ser Linda. Ela sabia de tudo o que eu dizia. Eu podia
me comunicar por meio dela”.
Linda deixou o trabalho. Fez cursos para aprender a cuidar de Peter. E
foi morar com a mãe dele, viúva, para ajudar Peter dia e noite, sem
parar. Com o dinheiro que tinha economizado, ela comprou uma piscina
para ele ao ar livre a fim de que pudesse exercitar as pernas e fazer
sua fisioterapia.
“Ela não saia do lado dele”, disse a Sra. Saraceno. “Sem Linda, Peter
jamais teria conseguido. Ela é muito especial – ela representa o mundo
inteiro para Peter”.
Um ano mais tarde, Peter já tinha começado a falar outra vez. Ele se
esforçou muito até que pudesse ser compreendido. E então fez a pergunta
que queria fazer havia tanto tempo: “Sr. Franschalla, eu queria pedir a
mão de sua filha em casamento”
“Peter”, disse Jim Fraschalla, “quando você puder entrar pelo corredor da igreja, ela é toda sua”.
Peter não podia andar nessa época. Tinha de ser carregado. Mas
lentamente, cautelosamente, com a ajuda de um andador, começou a andar
outra vez. E então um dia ele entrou com Linda pelo corredor da igreja.
Conscientemente ou não (de acordo com Mateus 25, na verdade nem
importa). Linda Fraschalla mergulhou no ministério de cura de Jesus
Cristo. Como: a historia não mostra que ela jamais tenha imposto as mãos
sobre Peter, que tenha orado formalmente por ele ou o tenha ungido com
óleo. Tampouco o evangelho afirma que Jesus jamais tenha feito essas
coisas por Lázaro. “Onde o colocaram?”, perguntou. “Vem e vê, Senhor”,
disseram. Jesus começou a chorar, o que levou os judeus a comentarem:
“Vejam como ele o amava!”. Mais uma vez conturbado em espírito, Jesus
aproximou-se do túmulo. Era uma cova com uma pedra a fechá-la. “Tirem a
pedra”, ordenou Jesus. Então retiraram a pedra, Jesus olhou para o céu e
disse: “Pai, eu te agradeço porque me ouviste. Eu sei que sempre me
ouves, mas disse isso por causa do povo que está aqui, para que creia
que tu me enviaste”. Tendo dito isso, chamou em alta voz: “Lázaro, venha
para fora!”. O morto veio para fora com a cabeça e os pés enfaixados em
linho, com o rosto envolto em pano. “Tirem as faixas dele”, Jesus lhes
disse, “e deixem-no ir” (cf. Jô 11:33-44)
O amor no coração de Jesus Cristo restaurou a vida a seu amigo:
“Vejam como ele o amava!”. Com nada mais que um reconhecimento e uma
gratidão a seu Pai celeste em favor da multidão ali reunida, Jesus agiu.
Nada de lama ou argila, óleo ou saliva, rosário, novena ou rito
litúrgico. O único recurso de Jesus era seu coração solitário. A pessoa
que cura é aquela que ama.
Linda tomou parte naquele ministério com sua presença, compaixão,
consolação, cuidado e conforto. Confortar significa “fortalecer com”.
Bem aventurados aqueles que se abraçam uns aos outros na fraqueza,
porque possuirão a terra. Quando corremos o grande risco humano da
compaixão, de sofrer junto com as pessoas, quando nos importamos de
enfrentar a solidão e a dor do outro, uma vida nova se inicia para
ambos. Henri Nouwen escreveu: “conforto é o grande presente humano que
gera a comunidade. Aqueles que se unem em uma vulnerabilidade mútua
ficam presos uns aos outros pó ruma força nova que os torna um só corpo”
Teria algum procedimento cirúrgico, remédio, terapia, droga milagrosa
ou oração salvado Peter Saraceno sem as mãos de amor que lhes fizessem
bolos e guloseimas, que lhe afixassem decorações, árvores de Natal,
papel crepom e 66 balões? Será que Peter ou Lázaro teria vivido se não
houvesse corações amorosos que os amasse?
(Texto retirado do livro “Convite à Solitude” de Brennan Manning)
Fonte: Não Morda a Maçã
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