Uma das parábolas contadas por Jesus de maior popularidade é a do
Filho Pródigo. Há quem a use para afirmar a disposição que Deus tem de
perdoar, sem que haja a necessidade de qualquer sacrifício expiatório.
Para estes, a morte de Jesus na Cruz não teria caráter expiatório, mas
seria apenas uma demonstração de como desafiar os sistemas deste mundo
pela via do pacifismo e do amor. Jesus seria um revolucionário, mas não o
Salvador dos homens; um pacifista, e não Aquele por cuja morte seríamos
livres de nossos pecados.
Seria esta a mensagem subliminar da parábola do Filho Pródigo?
Não! Teria o perdão dispensado pelo pai ao filho rebelde custado-lhe
alguma coisa? Vamos reexaminar o texto em busca de respostas.
A parábola começa com a apresentação de seus três protagonistas:
"Certo homem tinha dois filhos. O mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. E o pai repartiu os bens entre os dois" (Lc.15:11-12).
De acordo com a Lei, o filho primogênito tinha direito a dois terços da
herança, e um terço dela deveria ser dividido com os demais herdeiros.
Mas como aquele homem só tinha dois filhos, coube ao caçula a terça
parte da herança.
Aquele foi um pedido inusitado. O pai não tinha qualquer
obrigação em atendê-lo. Para que os filhos desfrutassem de seu direito
na herança, deveriam esperar a morte de seu pai. Porém, o mais moço
tinha pressa. Era como se ele dissesse: “Pai, já que você está demorando
tanto a morrer, dá-me logo a parte que me cabe”. Tal pedido equivalia a
desejar a morte do próprio pai.
Mesmo triste, o pai resolveu atendê-lo. Não apenas deu-lhe sua
parte, mas também a do seu irmão mais velho, que recebera o dobro que
ele. Em outras palavras, o pai abriu mão de tudo quanto tinha. Ainda que
continuasse à frente dos negócios da família, legalmente já não se
constituía dono.
O filho primogênito, ainda que não tenha feito pedido algum, não
abriu a boca para reclamar. Porém, mesmo assumindo a propriedade de
tudo, manteve-se fiel e subordinado ao pai.
O texto diz que "poucos dias depois, o filho mais novo,
ajuntando tudo, partiu para uma terra longíngua, e ali desperdiçou os
seus bens, vivendo dissolutamente" (v.13).
Isso significa que o pai teve que colocar parte de sua
propriedade à venda, para que seu filho recebesse sua herança em
dinheiro. Portanto, a família perdeu prestígio junto à comunidade. Só
lhe restara dois terços de tudo quanto conseguira amealhar durante toda
sua vida.
Para não sofrer a censura de ninguém, o caçula partiu para uma
terra distante, e lá desperdiçou tudo. O que custara anos de trabalho ao
seu pai fora gasto em poucos dias de farra e diversão. Quando o
dinheiro acabou, e os novos amigos desapareceram, aquele moço se viu em
apuros. Ele achava que poderia ser bem-sucedido, arrumar um bom
trabalho, prosperar. O que ele não contava era que houvesse uma grande
fome naquela região justamente naqueles dias. Resultado: começou a
padecer necessidades. Sem opções, viu-se obrigado a aceitar a oferta de
um dos cidadãos daquela terra: apascentar porcos.
Na cultura judaica, nada seria mais humilhante que isso. Os
judeus não criavam porcos. Isso indica que ele deixou suas raízes, para
viver no meio de um povo cuja cultura era totalmente diferente da sua.
Provavelmente seu pai criava ovelhas. Das ovelhas se poderia aproveitar a
lã, a carne, o leite. Mas dos porcos, o que se poderia aproveitar? Pela
Lei judaica, bastava-lhe tocar em um desses animais, e ele seria tido
por impuro. Imagine ter que apascentá-los! Sua condição era tão
precária, que o texto diz que "ele desejava encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada" (v.16).
Sua dignidade foi literalmente parar na lama. Se ele fosse um gentio,
certamente desejaria comer um daqueles porcos. Mas por ser judeu,
desejou comer da lavagem dos porcos.
Neste estado de absoluta miséria, ele finalmente caiu em si, e disse: "Quantos
trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de
fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei
contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho:
faze-me como um dos teus trabalhadores" (vv.17-19). Não fazia
sentido continuar naquela rebelião gratuita, enquanto poderia estar
desfrutando da prosperidade da casa do pai, ainda que não mais como
filho, mas como empregado. Seu orgulho estava no chão. Seus argumentos
cessaram. Só lhe restava arrepender-se e voltar para os braços do pai.
Ele sabia que lá chegando, não teria mais qualquer direito. Sua
parte na herança já fora dada. Portanto, nada havia a reivindicar. Sem
direitos, sem herança, só lhe sobrara apelar à misericórdia de seu pai,
rogando-lhe um emprego.
Ele não pediu para ser seu escravo, mas um trabalhador de sua
fazenda. O escravo nada recebia por seu trabalho, a não ser comida e
estadia. Mas o trabalhador era remunerado. Provavelmente, sua esperança
era a de devolver ao pai o prejuízo resultante de sua rebeldia juvenil, e
assim poupar o pouco que restava de sua honra.
O texto prossegue: "Então, levantando-se, foi para seu pai.
Quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão
e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou"(v.20). Para nós, a
imagem que emerge deste verso não nos causa o mesmo impacto que causou
nos ouvintes de Jesus. Àquela época, seria inconcebível que um pai
agisse dessa maneira. Aquele filho atentara contra sua honra. Dera-lhe
um prejuízo irreparável. E agora, o que ele faz ao ver a silhueta de seu
filho despontando no horizonte? Sai-lhe ao encontro correndo! Não
movido por vingança, ou por mágoa, mas por uma "íntima compaixão". Ele
não apenas corre ao encontro de seu caçula, mas também se lança ao seu
pescoço e começa a beijá-lo. Nada de acusação! Nada de “eu te disse, eu
te disse!”. Apenas beijos, abraços e muitas lágrimas.
Saudade de ouvir sua voz, de sentir o cheiro de seu cangote, o calor dos seus braços, o carinho de seu afago...
O filho, então, se põe a falar tudo o que havia ensaiado. "Pai, pequei contra o céu... blá, blá, blá". De repente, o pai lhe interrompe, e diz aos seus servos: "Trazei depressa a melhor túnica e vesti-o com ela, e ponde-lhe um anel na mão, e sandálias nos pés..." (v.22).
Com este gesto, o velho pai estava dizendo: Não o receberei como
empregado, mas como filho. Não espero qualquer restituição de sua parte.
Eu quem lhe restituo a posição de que você abriu mão.
O anel que recebera tinha o selo da família. Em vez de ser
contratado como trabalhador, ele é quem contrataria trabalhadores para o
seu pai.
Agora era hora de celebrar! "Trazei o bezerro cevado, e
matai-o. Comamos, e alegremo-nos. Pois este meu filho estava morto, e
reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se" (vv.23-24).
Até aí, só festa! Mas de repente, Jesus traz de volta ao cenário outro personagem: o filho primogênito.
"O filho mais velho estava no campo. Quando voltou, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. Chamando um dos criados, perguntou-lhe o que era aquilo. Ele lhe disse: veio teu irmão, e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou, e não queria entrar. Então, saindo o pai, instava com ele" (vv.25-28).
Uma festa? Matou o bezerro cevado? Na mente daquele filho mais
velho, aquilo simplesmente não era justo. Agora quem estava sendo
pródigo era seu pai, gastando com um filho que o desprezara. – Desta
festa me recuso a participar!
O mesmo velho pai que saíra ao encontro do filho mais jovem, agora sai ao encontro do mais velho, e insiste para que entre na festa.
Jesus havia sido acusado pelos religiosos da época de assentar-se
com prostitutas, publicanos e pecadores. Através desta parábola, Ele
revela que a humanidade está dividida em dois grupos: os pródigos
(pecadores em geral) e os que se consideram “fiéis ao pai” (religiosos).
Esta parábola mostra que ambos estão igualmente perdidos. E se não for o
Pai a sair ao encontro de ambos, não haverá esperança para eles.
Um está perdido em seus pecados. O outro perdido em sua
religiosidade. Um perdido por não ter nada. O outro perdido por achar
que tem tudo. Um cheio de arrependimento, outro cheio de justiça
própria. Enquanto um se perde, o outro "se acha"! Um pródigo, outro
prodígio.
O filho mais velho resolveu argumentar com o pai: "Olha,
sirvo-te há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca
me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo, porém,
este teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste
matar para ele o bezerro cevado" (vv.29-30).
O tal bezerro cevado era a gota d’água! Ele não se incomodou com o
anel recebido pelo irmão, nem mesmo com a festa, mas com o bezerro
cevado. Era comum as famílias separarem um bezerro e engordá-lo para uma
ocasião que fosse muito especial, em que toda a comunidade seria
convidada a celebrar. O “bezerro cevado” pode representar a vida de
Cristo entregue por nós.
Achando que seu argumento convenceria seu pai do quão pródigo estava sendo, o filho mais velho ouviu a seguinte resposta:
"Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado" (vv.31-32).
Jesus encerra Sua parábola abruptamente. Nunca saberemos se o
irmão mais velho entrou ou não na festa. O fato é que seus argumentos
caíram. Ele havia se esquecido que ao repartir a herança entre os
filhos, dois terços dela lhe foram dados. Portanto, tudo o que restara a
seu pai agora lhe pertencia. E ele chorando por causa de um bezerro...
Mas aqui cabe uma reflexão. Ora, se tudo agora pertencia ao irmão
mais velho, logo a festa pela volta do mais novo estava sendo custeada
por ele. Talvez por isso ele se sentira tão incomodado. Seu irmão
festejava às suas custas. Seu pai estava gastando o que lhe pertencia
por direito.
É claro que na parábola a figura do irmão mais velho representa
os judeus religiosos da época, enquanto o mais novo representa os
pecadores, os gentios, os excluídos. Porém, podemos amplificar um pouco
sua abrangência.
O filho pródigo representa a humanidade como um todo. Todos nos
extraviamos e juntos nos fizemos inúteis. Não há um justo sequer! Este é
o diagnóstico que as Escrituras fazem acerca da humanidade. Todos
desperdiçamos nossa herança dissolutamente. Basta vermos o que estamos
fazendo com o planeta!
Neste caso, quem seria o irmão mais velho? O primogênito da criação? JESUS CRISTO!
Diferente do irmão mais velho da parábola, Jesus Se dispõe graciosamente a custear nossa redenção, e a bancar a festa da reconciliação.
Agora somos chamados a agir à Sua semelhança. Paulo diz que fomos predestinados para sermos "conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos" (Rm.8:29). Todos somos filhos de um mesmo Pai. Como disse o escritor de Hebreus: "Tanto
o que santifica (JESUS), como os que são santificados (nós), vêm todos
de um só (DEUS, O PAI). Por esta causa Jesus não se envergonha de lhes
chamar irmãos" (Hb.2:11).
Ele é o anfitrião da festa! O bezerro cevado é Sua própria vida
entregue por nós. E agora, nos convida a tomá-lo como exemplo, dando
também a nossa vida pelo mundo.
O escritor de Hebreus se refere à igreja como "igreja dos primogênitos inscritos nos céus" (Hb.12:23).
Estamos dispostos a bancar a festa da reconciliação de Deus com o
Mundo? Ou, à semelhança do filho primogênito da parábola, nos sentiremos
enciumados e injustiçados? O cevado já foi sacrificado! A festa já
começou! Vamos ficar do lado de fora murmurando?
Tiago diz que "segundo a sua vontade, ele nos gerou pela
palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias (primogênitos)
das suas criaturas" (Tg.1:18). Portanto, quem é nossa referência de primogenitura, o primogênito da parábola ou o Primogênito da Criação, Jesus?
Este Deus Pródigo, que gasta o que tem pela salvação de Seus
filhos, convida-nos a sermos igualmente pródigos, não como aquele filho
caçula, que desperdiçou o que tinha para seu próprio aprazimento
(Tg.4:3), mas como Jesus que não poupou Sua própria vida para nos
receber de volta na Casa do Pai. Pois, "nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós. E devemos dar a nossa vida pelos irmãos” (1 Jo.3:16). Ou como disse Paulo: "Pois
o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por
todos, logo todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que
vivem não vivam mais para si (...) E tudo isto provém de Deus que nos
reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da
reconciliação, isto é, Deus estavam em Cristo, reconciliando consigo o
mundo, não imputando aos homens os seus pecados, e nos confiou a palavra
da reconciliação" (2 Co.5:14-15a, 18-19).
Portanto, gastemos e nos deixemos gastar pelas almas dos homens,
amando-os sem esperar nada em troca (2 Co.12:15). E que ao repartirmos
nossos haveres, façamos com total prodigalidade (Rm.12:8).
E aí, vamos festejar? Todos estão convidados! A a festa está só começando... Vai ficar do lado de fora?
Por Hermes C. Fernandes
Fonte:Hermes C. Fernandes
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